Além da cerca: danos ambientais causados por animais de propriedades vizinhas
- GMPR Advogados

- há 3 dias
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Autor: Francisco Haick Mallard Fonseca*
Entre os diversos desafios enfrentados pelos produtores rurais está a invasão de propriedades por animais oriundos de imóveis vizinhos. O problema, aparentemente simples e subestimado, traz consigo implicações significativas, sobretudo quando a área afetada é reserva legal ou APP (Area de Preservação Permanente).
Para ilustrar, imagine um produtor cuja área de reserva legal começa a apresentar sinais de degradação em virtude da entrada constante de gado de uma propriedade vizinha. A compactação do solo e o pisoteamento da vegetação nativa tornam-se evidentes, e, sem que qualquer medida seja tomada, o órgão ambiental constata o dano e autua o proprietário da área invadida.
Como exposto em dado exemplo, trata-se de uma situação em que o risco não se limita ao aspecto material do dano, mas alcança também os efeitos do dever sancionador do estado, o que demanda atenção imediata e conduta diligente do proprietário.
De quem é a responsabilidade dos danos ambientais?
Nesse compasso, registra-se que a legislação ambiental brasileira adota, em regra, a responsabilidade do proprietário ou possuidor do imóvel em que ocorre o dano ambiental. Isso significa que, ainda que o prejuízo decorra da conduta de terceiros — como no exemplo — estes não serão – a priori – responsabilizados pelos danos causados.
Diante da plausibilidade e habitualidade deste cenário no campo, é de suma importância que o proprietário do imóvel – com o objetivo de resguardar direitos e evitar imputações indevidas – mantenha sempre em mão e atualizada a documentação do imóvel.
Fala-se aqui, a título exemplificativo, da certidão de matrícula e registro do imóvel rural; do Cadastro Ambiental Rural (CAR) atualizado; bem como de mapas e croquis atualizados da propriedade.
No caso da ocorrência do dano, é essencial que o proprietário registre formalmente os fatos, incluindo informações sobre a natureza do prejuízo, a data, as partes envolvidas e, se possível, fotos ou vídeos que comprovem a situação.
Fato é que a atuação deve ocorrer de forma escalonada e racional.
O que fazer nessa situação?
Sem dúvidas, a primeira ação a ser tomada consiste na lavratura de boletim de ocorrência, a fim de formalizar a situação e levar o conhecimento da situação ao poder público. Além disso, essa providência simples cria um marco documental (e temporal) que poderá subsidiar medidas posteriores.
Em seguida, é recomendável diligenciar no sentido de identificar o responsável pelos animais. Neste ponto, é importante expedir notificação extrajudicial ao vizinho, expondo o ocorrido e solicitando providências imediatas para impedir novas invasões. Mais uma vez, a medida tem o condão de reforçar a postura diligente do proprietário, criando um registro documental a eventualmente ser utilizado em eventual responsabilização futura.
Ainda, caso o problema persista, a via judicial torna-se necessária, sendo cabível a propositura de ação possessória, como objetivo de impedir novas ameaças à posse. Nessa ação, o proprietário pode se valer de liminar para evitar de imediato a continuidade do dano e responsabilizar o vizinho pelos prejuízos já causados.
O proprietário do imóvel pode responder pelo dano ambiental?
O cerne da questão é que o proprietário, ainda que não tenha culpa direta, tem grandes chances de responder pelos danos ambientais causados. Isso ocorre porque a responsabilidade ambiental, em sua totalidade, opera em três esferas independentes: civil, administrativa e penal, cada uma regida por normas próprias.
Na esfera civil, prevalece a responsabilidade objetiva, bastando a comprovação do dano e do nexo causal para que surja o dever de reparar. Assim, ainda que o dano tenha sido causado por animais de terceiro, o proprietário da área impactada pode ser compelido a recompor o meio ambiente degradado.
Já na esfera administrativa, exige-se a demonstração de culpa ou omissão do autuado. Isto é, para a lavratura de auto de infração, é necessário comprovar conduta omissiva ou comissiva do autuado – o que nem sempre é seguido ao pé da letra.
Por fim, a responsabilidade penal é, via de regra, subjetiva. Ou seja, em teoria, apenas haverá punição se comprovada a conduta voluntária de causar ou permitir o dano ambiental.
Em todas essas esferas de responsabilização, a conduta proativa e a documentação do proprietário são cruciais. Tais medidas não apenas podem afastar sanções indevidas, mas também são o suporte essencial para pleitear uma futura ação de regresso em face do verdadeiro infrator, recuperando os custos suportados indevidamente.
Noutro vértice, a inércia diante de invasões recorrentes pode gerar consequências severas: autuações ambientais, multas expressivas, obrigação de recuperação da área degradada, além de prejuízos econômicos e reputacionais. Mais do que isso, o descuido pode comprometer a integridade ecológica da propriedade e dificultar futuras certificações ambientais ou operações de crédito rural vinculadas à regularidade ambiental do imóvel.
Em conclusão, a invasão de imóveis rurais por animais vizinhos é mais do que um simples transtorno de vizinhança: trata-se de uma situação potencialmente lesiva ao meio ambiente e à segurança jurídica do produtor rural.
O que os proprietários devem fazer?
Por essa razão, é essencial que o proprietário mantenha documentação robusta, adote medidas imediatas e busque orientação jurídica especializada. O assessoramento técnico permite escolher o caminho mais adequado — seja preventivo, administrativo ou judicial — garantindo a proteção do patrimônio, da área ambiental e da própria reputação do produtor.
* Francisco Haick Mallard Fonseca é advogado atuante na área do Direito Agrário e do Agronegócio no escritório GMPR Advogados.
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