FUSÕES NO STREAMING: o que está em jogo entre Netflix e Warner Bross além dos números
- GMPR Advogados

- 17 de dez.
- 3 min de leitura
Por Maria Fernanda Viana e Thiago Cabaline
Fusões empresariais costumam chamar atenção pelos números que envolvem: valores bilionários, expansão de mercado, aumento de assinantes, frequentemente apresentados como os principais indicadores de êxito dessas operações. No setor do entretenimento, porém, seus efeitos vão muito além das cifras, alcançando dimensões jurídicas que não se revelam de imediato. A recente fusão entre Netflix e Warner Bros é um bom exemplo de como uma operação corporativa pode provocar mudanças profundas na forma como conteúdos são utilizados, distribuídos e explorados economicamente, com reflexos diretos em toda a cadeia produtiva do audiovisual.
De quem são os Direitos Autorais entre Netflix e Warner Bross?
O ponto central dessa discussão está nos direitos autorais, elemento estruturante do segmento, pois, diferentemente de outros segmentos da economia, o entretenimento se baseia em ativos intangíveis, cuja exploração depende de autorizações específicas, como: filmes, séries, roteiros, músicas e personagens. Quando catálogos se unem e plataformas se reorganizam, em razão de processos de fusão ou aquisição, não se trata apenas de integrar bibliotecas de conteúdos, mas de respeitar limites legais e contratuais previamente estabelecidos.
No Brasil, a proteção às obras intelectuais é regulada pela Lei n. 9.610/1998, que assegura aos autores o controle sobre o uso de suas criações, conferindo-lhes prerrogativas essenciais para a exploração econômica das obras. Essa legislação define quem pode explorar uma obra, de que forma e em quais condições, equilibrando interesses econômicos das empresas com a proteção dos criadores. Mesmo sendo anterior à era do streaming, a lei continua suficientemente sólida para lidar com esse novo cenário, desde que interpretada à luz das transformações tecnológicas contemporâneas.
Nas produções audiovisuais, como filmes e séries, os direitos não pertencem a uma única pessoa. Roteiristas, diretores, intérpretes, músicos e produtores participam do processo criativo e, por isso, detêm diferentes parcelas de direitos sobre a obra, cada qual amparada por instrumentos próprios. Além disso, é comum que esses profissionais tenham participação nos resultados financeiros gerados pela exploração do conteúdo. Essa multiplicidade de titulares torna qualquer grande reorganização empresarial especialmente sensível.
Como plataformas de streaming conseguem explorar obras criadas por terceiros?
Embora muitas vezes se imagine que esses direitos não possam ser negociados, a regra é justamente o contrário. Os direitos autorais de natureza econômica podem ser cedidos ou licenciados por meio de instrumentos contratuais. É assim que plataformas de streaming conseguem explorar obras criadas por terceiros de forma legítima, visto que esses contratos definem, por exemplo, o meio em que o conteúdo pode ser exibido, por quanto tempo, em quais territórios e sob quais condições.
Por isso, uma fusão dessa magnitude exige uma análise cuidadosa de todos os contratos relacionados às obras envolvidas. Esse processo, conhecido no mercado como “content clearance”, funciona como uma verificação prévia para garantir que os conteúdos possam ser integrados, transferidos ou redistribuídos sem violar direitos de terceiros. Trata-se de uma etapa essencial para reduzir riscos e evitar disputas judiciais que podem ser longas, custosas e prejudiciais à imagem das empresas.
Ainda assim, alguns efeitos práticos podem ser antecipados: a depender do que foi contratado, pode haver retirada de títulos do catálogo, mudanças na forma de disponibilização ou migração de conteúdos entre plataformas do mesmo grupo econômico. Muitos contratos já autorizam esse tipo de movimentação, o que permite, por exemplo, que uma obra, antes tida como exclusiva de uma plataforma, passe a integrar outra, sem necessidade de novos pagamentos ou negociações.
Por outro lado, nem todos os contratos foram pensados para um cenário de fusão. Cláusulas de exclusividade, limitações territoriais ou restrições à transferência de direitos podem gerar conflitos quando empresas antes independentes passam a atuar sob o mesmo controle, casos em que a fusão deixa de ser apenas um rearranjo empresarial e passa a exigir diálogo, renegociação e novos ajustes contratuais.
No fim, fusões no mercado de streaming não afetam apenas estratégias de negócios ou posições no mercado. Elas impactam diretamente a forma como obras criativas circulam e como seus criadores são remunerados. Em uma indústria movida por ideias, histórias e talento, compreender, e respeitar, os direitos autorais não é um detalhe técnico, mas uma condição essencial para que o espetáculo continue.
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