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Setor farmacêutico na mira da LGPD

Irregularidades revelam necessidade de adequação urgente


Wilmar Fernandes Vieira Neto e Luiz Felipe Fleury Calaça*


A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) representa um marco na proteção dos dados pessoais, estabelecendo diretrizes claras para o tratamento de dados pessoais, especialmente aquelas de natureza sensível, como as que envolvem a saúde e o bem-estar dos clientes.


Nesse sentido, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), enquanto responsável pela fiscalização e aplicação dessa legislação, tem adotado uma postura cada vez mais rigorosa, intensificando os processos de auditoria e impondo ajustes de conduta para garantir o cumprimento das normas previstas na LGPD. Esse movimento reflete a importância de se tratar os dados dos consumidores com base exclusiva na legislação, transparência e responsabilidade, evitando práticas que possam comprometer a privacidade e a confiança dos clientes.


Qual o impacto da LGDP no setor farmacêutico?


Em maio de 2025, a ANPD divulgou a conclusão de um processo de fiscalização em redes de farmácias, federações do setor farmacêutico e programas de fidelidade, determinando a implementação de medidas adequadas no tratamento de dados pessoais. Em razão desse procedimento de fiscalização, o setor farmacêutico conseguiu uma maior clareza a respeito da forma como os dados pessoais dos consumidores podem ser tratados sem se incorrer em práticas vedadas pela legislação.


De acordo com a nota técnica divulgada pela ANPD[1], a investigação no setor farmacêutico revelou irregularidades significativas no tratamento de dados dos clientes que resultaram na abertura de processos sancionatórios. A análise da Autoridade identificou problemas estruturais que vão muito além do simples uso indevido para fins publicitários, evidenciando uma baixa maturidade do setor farmacêutico em relação às exigências da LGPD.


A sua farmácia sabe tratar os dados dos clientes corretamente?


Uma das principais conclusões da ANPD foi a ausência sistemática de transparência nas práticas de tratamento de dados no setor. Muitas farmácias apresentam políticas de privacidade inadequadas ou desatualizadas, e algumas nem sequer disponibilizam essas informações em seus sites. Imagine tentar entender as regras de um jogo sem ter acesso ao manual de instruções – é exatamente isso que acontece quando os consumidores tentam compreender como seus dados estão sendo utilizados.


Os programas de desconto e fidelização, tão populares no setor, também foram alvo de críticas da Autoridade. A ANPD identificou que o compartilhamento de dados sobre o histórico de compras pode permitir inferências sobre informações sensíveis de saúde dos clientes. Além disso, a prática de só revelar o valor do desconto após o fornecimento do CPF foi considerada problemática, pois impede que o consumidor tome uma decisão verdadeiramente livre e informada sobre o compartilhamento de seus dados.


Outro ponto de atenção foi o uso de dados biométricos para autenticação de clientes. A ANPD alertou que muitas farmácias estão coletando impressões digitais ou dados faciais quando métodos menos invasivos de identificação seriam suficientes. É como usar um martelo para quebrar uma noz – funciona, mas é desproporcional ao objetivo.


Essas constatações demonstram que a fiscalização da ANPD não é mais uma possibilidade distante, mas uma realidade que exige adequação imediata dos processos internos das empresas do setor. A Autoridade identificou desconformidades em diversos casos analisados, revelando conceitos equivocados sobre as previsões da lei e a necessidade urgente de uma abordagem educativa para levar o maior número de estabelecimentos à conformidade.


O interesse em investigar as práticas de tratamento de dados no setor farmacêutico não se limita à ANPD. O Ministério Público Federal também abriu inquérito para apurar a exigência do CPF como condição para concessão de descontos e o uso posterior desses dados pelas redes farmacêuticas[2]. Segundo o procurador da República Júlio Araújo, a preocupação é que essas informações possam ser utilizadas para criar perfis detalhados sobre a saúde e comportamento dos consumidores, podendo até mesmo resultar em negativas de planos de saúde ou outras discriminações. Essa convergência de investigações entre diferentes órgãos demonstra a seriedade do problema e a necessidade urgente de adequação por parte do setor.


O que acontece com as farmácias e drogarias que não estiverem em conformidade com a LGPD?


A não conformidade com as normas da LGPD pode acarretar consequências graves para as redes de farmácias e drogarias. Além das sanções administrativas e multas que podem impactar financeiramente a empresa, a exposição negativa e a perda de confiança dos consumidores podem resultar em danos irreparáveis ​​à imagem institucional. Ainda assim, a necessidade de reestruturação dos processos internos e a possibilidade de interrupção das atividades operacionais exigem custos elevados e transtornos que podem comprometer a continuidade do negócio.


Diante desse panorama, torna-se necessário adotar boas práticas que garantam a conformidade com a legislação. É fundamental realizar auditorias internas para mapear o fluxo de dados e identificar eventuais vulnerabilidades, bem como revisar e atualizar as políticas de privacidade, garantindo que os termos de assinatura sejam claros e em total conformidade com a LGPD.


A formação contínua das equipes e o investimento em tecnologias de segurança da informação são medidas essenciais para proteger a integridade, a confidencialidade e a disponibilidade dos dados dos clientes. Além disso, o estabelecimento de um monitoramento contínuo dos processos e a implementação de melhorias constantes são passos decisivos para prevenir futuras infrações e garantir uma operação segura e eficiente.

*Wilmar Fernandes Vieira Neto é advogado e sócio do GMPR Advogados, bacharel em Direito pela Faculdade Quirinópolis (FAQUI), pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil, pós-graduado em Assuntos Regulatórios, especialista em Direito Administrativo Sancionador e Direito Regulatório, especialista no Mercado Farmacêutico, conselheiro do Conselho de Usuários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/GO.


*Luiz Felipe Fleury Calaça é advogado e sócio do GMPR Advogados, onde coordena a equipe de Direito Público. Especialista em Direito Administrativo, Constitucional e em Privacidade e Proteção de Dados, com certificação pelo Data Privacy Brasil. Mestre e doutorando em Direito Constitucional pelo IDP, atua também como pesquisador e palestrante em temas relacionados a democracia, direitos fundamentais e governança de dados.

Referências

[2] MPF investiga uso de dados de CPF de clientes em farmácia; audiência pública discute tema. Disponível em https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/09/08/mpf-investiga-uso-de-cpf-farmacia.ghtml

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