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A indústria de protesto de títulos no cenário do agronegócio brasileiro

Nos últimos anos, a sistemática do protesto de títulos passou por uma transformação significativa no Brasil. O que deveria servir apenas como garantia de segurança nas relações comerciais acabou se convertendo em uma verdadeira indústria fraudulenta e lucrativa.

Não por acaso, o procedimento de protesto é facilitado no país. Com o simples preenchimento de um formulário, duplicatas, cheques, contratos e outras dívidas podem ser encaminhados à cobrança em qualquer cidade do país. A lei permite que o credor leve o débito a protesto já no primeiro dia útil após o vencimento, dispensado, inclusive, dispêndio financeiro quando se trata de dívidas com menos de um ano.


No setor do agronegócio, esse desvirtuamento aparece de forma ainda mais evidente. Produtores e empresas com grande movimentação financeira são frequentemente expostos a protestos que deixam de ter caráter de cobrança legítima e passam a atuar como instrumento de intimidação. Não raras vezes, os “devedores” são levados a quitar valores indevidos apenas para liberar suas operações e evitar maiores prejuízos.


Neste viés, o raciocínio de quem protesta indevidamente é simples: como os Produtores e empresas precisam manter seu nome limpo para viabilizar operações, crédito e vendas, acabam pagando o boleto — ainda que a cobrança seja indevida — apenas para liberar suas atividades. Nestes casos, é comum que o título protestado seja proveniente de uma cobrança adicional vinculada a um contrato já cumprido ou até mesmo extinto, por exemplo.


As consequências dessa prática são graves. O protesto, ainda que por valores relativamente baixos, trava operações de grande escala: uma cobrança de R$ 10 mil pode inviabilizar a liberação de um financiamento de R$ 1 milhão.


Sem liquidez, o produtor perde prazos críticos de plantio, compromete a compra de insumos e arrisca o desempenho de toda a safra. Nesse cenário, o dano não se resume ao valor contestado, mas reverbera em prejuízos incalculáveis, que afetam não só um sujeito, mas também seus parceiros comerciais e até mesmo clientes.


Em suma, a legislação que disciplina o protesto de títulos estabelece três caminhos principais para o cancelamento: (i) apresentação do título original protestado ou de declaração de anuência do credor; (ii) pagamento integral da dívida acrescido das custas cartorárias; ou (iii) decisão judicial.


Na prática, as duas primeiras alternativas acabam vinculadas diretamente ao credor. A anuência depende da sua manifestação expressa, enquanto o pagamento implica em reconhecer a validade e a exigibilidade do débito. Resta, portanto, a via judicial como única possibilidade efetiva de reação contra protestos abusivos ou indevidos, independentemente da cooperação do credor.


Nessas situações, a legislação brasileira prevê que o devedor possa recorrer ao Judiciário para proteger seu nome e suas operações comerciais. É possível solicitar ao juiz a suspensão ou o cancelamento provisório do protesto, desde que existam indícios razoáveis de que a cobrança seja indevida e que se demonstre urgência na medida, de modo a evitar prejuízos imediatos e irreparáveis à atividade do devedor. Essa medida tem caráter cautelar, ou seja, busca preservar direitos até que a questão seja analisada em definitivo no processo principal, impedindo que a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes comprometa a reputação, o crédito e as negociações da empresa ou produtor rural.


É comum, também, que o magistrado condicione a concessão da sustação à prestação de garantia. Assim, o credor de boa-fé não é prejudicado injustamente: caso ao final do processo seja confirmada a legitimidade da cobrança, ele terá assegurados os meios para receber o valor devido. Tem-se, pois, instrumento eficaz de proteção às partes, evitando constrangimentos e danos financeiros, sem eliminar os direitos do credor que é legítimo, garantindo que a solução seja justa e equilibrada.


Há também outra opção, mas que não condiz com a realidade de muitos. Trata-se de realizar o pagamento imediato e discutir posteriormente a devolução dos valores em ação própria. Na prática, muitos acabam cedendo a essa alternativa, diante da urgência em liberar logo seu nome para viabilizar operações comerciais em andamento.


Ademais, a jurisprudência já reconhece que a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes — de natureza pública e acessível a terceiros — configura ofensa à imagem e ao bom nome comercial da empresa. Tal exposição, ao repercutir em sua credibilidade e saúde financeira, autoriza a pessoa jurídica a pleitear indenização por danos morais, em razão também do abalo sofrido no mercado em que atua.


Diante desse cenário preocupante, é essencial que o produtor rural mantenha sempre em mãos seus contratos, distratos, termos de quitação, bem como outros documentos, que ora funcionam como prova imediata em eventual disputa, permitindo reagir com rapidez a protestos indevidos. Além disso, a organização documental reduz o risco de cobranças oportunistas, dá maior segurança às relações comerciais e fortalece a posição do produtor diante de situações abusivas.


Não se trata aqui de criticar o instituto do protesto, mas de denunciar seu uso distorcido. No agronegócio, onde crédito e liquidez são essenciais para a manutenção das atividades, práticas de cobrança abusivas podem comprometer seriamente a continuidade produtiva. Por isso, é fundamental que produtores e empresas adotem uma postura ativa e combativa, utilizando os instrumentos legais disponíveis, a fim de preservar seus negócios e a reputação construída.

Artigo publicado no Rota Jurídica e escrito por Francisco Haick Mallard Fonseca, advogado atuante na área do Direito Agrário e do Agronegócio no escritório GMPR Advogados

 
 
 

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