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Licenciamento ambiental rural e a recusa injustificada de vizinhos

Caminhos legais para superação


A formação e delimitação histórica das propriedades no Brasil, marcada por critérios geográficos rudimentares, como o relevo e a presença de cursos d’água, influenciou diretamente a configuração dos imóveis rurais atuais.


A ocupação e demarcação desordenada do território, legada pelo processo colonizatório, acalora e tensiona as relações de vizinhança. Essa dinâmica complexa é especialmente notável durante o licenciamento ambiental de atividades agrícolas e de infraestrutura, que demandam não apenas requisitos técnicos, mas também, em diversos casos, a anuência dos proprietários lindeiros.


A situação se torna ainda mais delicada quando a obra ou estrutura – como uma barragem, por exemplo – está localizada justamente sobre as divisas das propriedades, o que exige inevitavelmente o espírito colaborativo entre vizinhos, a fim de promover sua regularização.

O problema, contudo, é que esse ânimo solidário, idealmente espontâneo e voltado ao interesse comum, nem sempre se concretiza.


Como é o licenciamento ambiental na prática?


Tomemos como exemplo um caso hipotético: um produtor rural que, buscando regularizar uma barragem já existente em seu imóvel, atende rigorosamente às exigências ambientais impostas, contrata laudos técnicos, elabora projetos e mesmo assim vê o processo travado por conta da recusa de seu vizinho em prestar a anuência necessária para conclusão do processo de licenciamento.


Neste cenário fictício, importa ressaltar que a anuência é condição indispensável para o avanço do procedimento de regularização. Isto é, sua ausência interrompe o trâmite administrativo e inviabiliza a conclusão da análise pelos órgãos ambientais.


Não restando qualquer alternativa ao produtor interessado, existe a possibilidade de acionar o poder judiciário.


Explico. O processo civil brasileiro oferece mecanismos legais eficazes para assegurar a continuidade de projetos quando há impasses infundados. A jurisprudência vem reconhecendo a possibilidade de suprimento judicial da anuência em situações em que haja abuso de direito ou ausência de justo motivo.


Porém, diante do cenário adverso, é imprescindível que o produtor interessado em contornar a situação adote uma postura proativa.


Esse comportamento se inaugura com a formalização das comunicações com o vizinho, como o envio de uma notificação extrajudicial, por exemplo. Ao documentar essas tratativas de forma clara, o produtor não apenas evidencia sua boa-fé nas tentativas de acordo amigável, mas também estabelece as bases para compreender os motivos da eventual recusa.


Em continuidade, sob a égide do exemplo tomado, é recomendável que a parte interessada apresente laudo técnico elaborado por profissional habilitado, demonstrando a inexistência de prejuízo à propriedade vizinha, o atendimento ao interesse público vinculado à preservação ambiental e a adequação da barragem às normas de segurança hídrica da região.


É igualmente importante demonstrar que a recusa do confinante afeta diretamente o desenvolvimento de um projeto legítimo. No caso hipotético, por exemplo, o produtor rural já teria investido na aquisição de equipamentos de irrigação, firmado contrato com concessionária de energia elétrica, bem como assumido compromissos financeiros vinculados ao projeto. Assim, a negativa não afeta apenas o produtor, mas compromete toda a cadeia produtiva envolvida.


Em suma, vale dizer que a pretensão deve ser instruída com documentação robusta: laudo técnico detalhado, outorgas prévias, registros da manutenção da atividade, e, se possível, ata notarial — instrumento que agrega fé pública e serve como prova sólida da tentativa frustrada de acordo.


Cumpre alertar, contudo, que, embora legítimo, o processo judicial poderá demandar tempo, sobretudo em razão da necessidade de produção de provas periciais e do contraditório.


Não obstante, como forma de reforçar a boa-fé processual e mitigar eventuais riscos, a parte demandante pode se dispor a oferecer caução, no intuito de reafirmar o compromisso com a legalidade e demonstrar a ausência de riscos a quem deveria prestar a anuência, contribuindo assim significativamente para a convicção judicial favorável ao pleito.


O fato é que não se pode – e não se deve – permitir que o cumprimento da legislação ambiental, tampouco o desenvolvimento sustentável das atividades rurais, fiquem sujeitos a vontade arbitrária de terceiros. Como exposto e ilustrado por meio do caso hipotético, o ordenamento jurídico oferece instrumentos para equilibrar as relações entre os sujeitos, garantindo segurança jurídica e previsibilidade aos que agem com diligência e boa-fé.


Por fim, é fundamental a contratação de profissional qualificado que, além de capaz de traduzir a linguagem técnica ao Judiciário, seja hábil a construir a estratégia jurídica mais adequada: seja pela via do suprimento da anuência, seja pela demonstração de sua dispensabilidade, sempre com base em elementos concretos, técnicos e juridicamente fundamentados.


 Autor: Francisco Haick Mallard Fonseca, advogado atuante na área do Direito Agrário e do Agronegócio no escritório GMPR Advogados.


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