No âmbito rural, é bastante comum a adoção de medidas de proteção à posse, como as ações possessórias de manutenção e de reintegração de posse. Muitas vezes, essas ações são propostas em face de terceiros que, injustamente, invadem ou ameaçam a posse sobre imóvel rural. O Código de Processo Civil homenageou essa proteção da posse por meio de um rito especial, que privilegia o possuidor e a continuidade do exercício da função social da propriedade.
Apesar do rito especial, um dos maiores desafios aos que pleiteiam a proteção da posse é a efetiva comprovação, por meio de provas robustas, da turbação, do esbulho ou da ameaça à posse sobre a propriedade rural. Não são raros os casos em que a liminar possessória não é concedida em razão da ausência de prova inequívoca do esbulho, turbação ou mesmo ameaça concreta à posse.
Nessa linha, a figura da Notificação Extrajudicial para desocupação de imóvel rural se mostra como uma das provas mais utilizadas para demonstrar a efetiva ameaça ou esbulho à posse. No entanto, é preciso cautela na utilização dessa prova para subsidiar ações possessórias.
Afinal, pode-se afirmar que a simples notificação para desocupação de imóvel vale como prova de esbulho ou ameaça à posse para fins de subsidiar o ingresso de ações possessórias? É o que pretendemos analisar no presente artigo.
Incialmente, é preciso esclarecer os diferentes tipos de ofensa à posse previstos na legislação brasileira: esbulho, turbação e ameaça.
A turbação é a violação da posse que não importa na exclusão total do poder do possuidor sobre o bem, passível de proteção por meio da ação de manutenção de posse. O esbulho é caracterizado pela perda total da posse pelo possuidor, sendo cabível a ação de reintegração de posse. Já a ameaça da posse é protegida por meio dos chamados interditos possessórios.
Para cada via processual escolhida é preciso apresentar um lastro probatório compatível com a proteção almejada. Nota-se que, em todos os casos, há um ato concreto de ofensa à posse ou efetiva ameaça à posse. É imprescindível, portanto, apresentar provas robustas dos atos atentatórios à posse sobre o imóvel rural para viabilizar o êxito da ação possessória.
Por outro lado, a mera notificação extrajudicial, em que se pleiteia a desocupação do imóvel, sem a adoção de medidas concretas em face da posse do atual possuidor, a priori, não atesta de forma automática a ocorrência de ameaça ou esbulho; ou mesmo enseja a sua proteção por meios de ações possessórias.
Nesse sentido, temos julgado do TJGO com a seguinte disposição:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO. RECEIO DE TURBAÇÃO OU ESBULHO. NÃO COMPROVADOS. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO. NOTIFICAÇÃO JUDICIAL. 1. O interdito proibitório é ação possessória, de caráter preventivo, para impedir turbação ou esbulho. Não se pode qualificar de ameaça para fins de justificativa ao interdito proibitório o simples exercício de um direito, via notificação extrajudicial, objetivando a desocupação dos imóveis no prazo de 30 (trinta) dias, na medida que a providência não se caracteriza como ameaça, mas, sim, prerrogativa legal daquele que entende possuir direito de retomar a posse. (APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJ-GO – AC: 01752537720138090112, Relator: DR(A). FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, Data de Julgamento: 07/06/2016, 3A CAMARA CIVEL, Data de Publicação: DJ 2048 de 16/06/2016)
Lado outro, há casos em que, em razão do encerramento de determinada relação jurídica, como um contrato de comodato, a Notificação Judicial ou Extrajudicial pode ser utilizada para constituir em mora o possuidor, desqualificando a natureza de sua posse. Nesse caso, é imprescindível que a prévia notificação ocorra para caracterizar o esbulho e, em seguida, se justificável, o ingresso com a medida de proteção possessória.
Inclusive, nas ações de reintegração de posse, somente se torna viável o ajuizamento após formal notificação dos detentores sobre a intenção de retomada do bem, com indicação expressa sobre o prazo razoável para desocupação voluntária do imóvel possuído.
Nesse sentido, há jurisprudência do TJGO sobre a matéria:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DE BEM MÓVEL. LIMINAR. AUSÊNCIA DE REQUISITO. MORA. CITAÇÃO JUDICIAL NÃO SUPRE A NECESSIDADE DA NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. 1. Para que ocorra o deferimento de liminar de reintegração de posse, torna-se absolutamente indispensável a comprovação da mora, por meio da regular notificação do possuidor, por ser o caminho hábil a configurar o esbulho possessório, gerador da reintegração. Precedentes desta Corte. 2. A prévia notificação, com a finalidade de constituição em mora do comodatário e configuradora do esbulho, na hipótese de inexistência de prazo estipulado para o contrato gratuito, é indispensável para ensejar a propositura da ação possessória de reintegração. Não pode a notificação ser suprida pela citação, que é o ato pelo qual se chama a Juízo o réu para se defender. AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJ-GO – AI: 02174020920178090000, Relator: FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, Data de Julgamento: 01/12/2017, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 01/12/2017)
Por fim, há casos em que o próprio teor da notificação revela outros contornos ao caso concreto. Um exemplo: o envio de notificação extrajudicial para desocupação do imóvel em que o Notificante confessa ter tentado ingressar no imóvel e fora impedido pelos funcionários da fazenda. Nesta situação, resta claro que medidas concretas foram adotadas a fim de tentar ingressar no imóvel, e que só não logrou êxito em razão de fatores externos. Esta situação exemplificada foi enfrentada pelo TJGO no julgamento do Agravo instrumento n. 5139563-29.2022.8.09.0000.
Assim, para as inúmeras situações em que se almeja a invocação dos institutos possessórios, é imprescindível que se faça uma análise detalhada das provas disponíveis que comprovam a ameaça ou mesmo a perda total ou parcial da posse; bem como, caso seja a única prova disponível, o teor da notificação e os termos nela contidos, uma vez que, a depender das medidas adotadas, poderá, sim, ensejar a proteção da posse por meio das ações possessórias previstas do Código de Processo Civil.
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