No ramo de shopping centers não surpreende a discussão sobre o que é melhor: ter um lojista pessoa física ou pessoa jurídica? A discussão não é nova e muito se sabe sobre as vantagens e as desvantagens (não apenas jurídicas) de cada modelo. É comum, inclusive, com a pretensão de impor um determinado modelo de negócio (especialmente por razões contábeis), exigir que o lojista pessoa física crie uma empresa para assumir o contrato de locação o mais breve possível, passando ele a garantir o contrato no papel de fiador.
Mas, e se o contrato de locação for assinado por ambos, pessoa física e jurídica? Quais as vantagens e desvantagens no ponto de vista jurídico?
Para responder essa questão, primeiro vamos dividir o assunto em três categorias principais, sendo elas (i) a concessão de medidas liminares em ações de despejo; (ii) a necessidade de citação dos réus; e (iii) o recebimento de créditos.
Pois bem.
Quem trabalha próximo ao dia a dia de um grande centro comercial sabe a importância de sempre manter o um vasto leque de opções de lojas para seus clientes, isto é, procurar investir no melhor tenant mix possível. Por outro lado, o empreendimento não pode deixar de se preocupar com sua saúde financeira, devendo dispensar lojistas inadimplentes e substituí-los o mais rápido possível.
O legislador então, atento às necessidades nascidas das relações de locações comerciais, procurou estabelecer pelo algumas hipóteses nas quais o locador poderá socorrer-se ao Poder Judiciário para conseguir uma medida rápida e efetiva para problemas como esse. Como exemplo, temos a concessão de uma medida liminar de despejo independentemente da demonstração do que chamamos de “probabilidade do direito” e “perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”.
Dentre as circunstâncias legalmente previstas, há aquela em que a liminar de despejo será concedida quando a ação tiver por fundamento exclusivo a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, desde que o contrato esteja sem qualquer uma das garantias previstas na mesma lei (caução, fiança, seguro de fiança locatícia etc.).
Aqui entra a hipótese levantada: inclusão do lojista (pessoa física) na mesma condição de locatário que a empresa criada para explorar o empreendimento. O lojista, nesse cenário, deixaria de ser garantidor do contrato e passará à condição de simples contratante, de modo que, caso movida uma ação de despejo por falta de pagamento, teremos disponível o caminho mais curto e seguro para a concessão da medida liminar de desocupação do imóvel.
Embora essa seja uma vantagem imediata da adoção do modelo de duas pessoas locando o mesmo imóvel (lojista e sua empresa), é preciso considerar os dois outros pontos mencionados anteriormente: a necessidade de citação de ambos em ações judiciais e o recebimento do crédito cobrado.
Explico.
Seja para execução da dívida deixada pelo lojista ou para conclusão de uma ação de despejo, na hipótese levantada será necessário citar ambos os contratantes, ou seja, tanto a pessoa física quanto a jurídica deverão comparecer no processo – diferentemente do que ocorreria no caso de haver apenas um locatário para as ações de despejo.
De imediato percebe-se uma desvantagem desse modelo: com exceção da concessão de medida liminares em ações de despejo, a existência de dois locatários ou contratantes torna mais difícil a composição de todos os polos da ação, uma vez que, além de ser necessário citar duas pessoas, é vezes mais fácil para a pessoa física se ocultar e evitar ser chamada ao processo – especialmente quando se tratar de ações de despejo.
No que diz respeito ao recebimento de créditos, também há problemas. A fim de identificar com maior facilidade as desvantagens na perspectiva de persecução do crédito, é preciso comparar cenários em que pessoa física e jurídica participarão do contrato, na condição de contratante ou fiador.
Para o caso de a pessoa jurídica ser locatária e a pessoa física ser sua fiadora (como ocorre com frequência), o empreendedor ao menos teria a possibilidade de perseguir todos os bens do fiador, o que não ocorre quando esse fiador passa à posição de locatário. Isso pelo motivo de que o Supremo Tribunal Federal prolatou uma decisão que se estende aos demais tribunais do país e declara constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contratos de locação residenciais e comerciais – o que não ocorre com o contratante.
Então enquanto no modelo tradicional (pessoa jurídica locatária e pessoa física fiadora) o locador poderá perseguir todos os bens da pessoa física, ampliando suas chances de satisfação do crédito, no cenário hipotético apresentado o empreendedor não terá essa prerrogativa.
Apesar dos problemas, existem possíveis soluções ou, ao menos, meios de mitigar parte do risco admitido nesse tipo de operação.
Com relação à necessidade de citação de ambos os locatários nas ações, a inclusão da cláusula de mandato para que pessoa física e jurídica se invistam na condição de mútuos procuradores pode ser vista como solução. Esse tipo de previsão contratual corresponde à possibilidade de que a empresa seja citada na pessoa do lojista e vice-versa, isto é, citando-se um, o outro também será levado ao processo.
A perseguição de crédito, por sua sorte, não possui efetivamente uma solução tão concreta quanto a citação, pois que a existência de bens em nome de um devedor é problema recorrente em todos os tipos de execução. Não é a possibilidade de perseguir, ou não, um possível imóvel em nome do fiador que irá garantir a adimplência do crédito, mas sim uma análise de bens dos lojistas (seja na sua entrada no empreendimento ou após determinado tempo de execução do contrato).
Quer dizer: as chances de recebimento nas ações executórias estão mais ligadas à solvência do devedor (pessoa física ou jurídica) de maneira geral do que a possibilidade de persecução, ou não, de um imóvel enrustido do caráter de “bem de família” – a não ser, é claro, que essa seja o único bem indicado pelo lojista para comprovar seu patrimônio.
Fato é que o modelo apresentado possui vantagens e desvantagens que podem ser facilmente identificáveis, com soluções e contornos igualmente visíveis, ainda que seja necessária uma análise jurídica mais aprofundada para cada caso.
A resposta para a pergunta levantada no título deste artigo dependerá de outros questionamentos: meu empreendimento possui força negocial para impor esse modelo ao lojista? O tribunal do meu Estado tem se posicionado em favor da adoção das cláusulas de representação mútua? Esse lojista possui outros bens além do imóvel que é chamado "bem de família"?
Se a resposta para essas perguntas for positiva, a colocação de dois locatários em um único contrato de locação, no lugar do modelo tradicional, poderá ser viável e até mesmo preferível. A análise, como dito, depende de um estudo caso a caso pela equipe comercial e o advogado do empreendimento.
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