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Protegendo Dados na Era da Inteligência Artificial: O Papel da Transparência

No dia 2 de julho deste ano, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) tomou uma decisão crucial ao emitir uma medida preventiva contra a Meta Platforms, proprietária de plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp. Essa medida ordenou a suspensão imediata da nova política de privacidade da empresa, que permitiria o uso de dados públicos dos usuários para treinar sistemas de inteligência artificial generativa (IA). Esse tipo de IA, que cria novos conteúdos como textos, imagens, músicas e vídeos a partir de dados existentes, poderia, segundo a nova política, utilizar as postagens públicas no Facebook e Instagram para desenvolver modelos que gerariam automaticamente conteúdos publicitários e promocionais.


A ANPD interveio porque reconheceu riscos significativos para os dados pessoais, tanto sensíveis quanto não sensíveis, dos usuários dessas plataformas, que representam quase metade da população brasileira[1]. A falta de transparência em como os dados seriam utilizados para treinar tais sistemas de IA foi uma das razões para a ação regulatória. A medida preventiva ressalta a importância do princípio da transparência, considerado essencial para assegurar que o tratamento de dados, especialmente aquele realizado por meio de inteligência artificial, seja compreensível e acessível ao público, fomentando confiança e garantindo o exercício dos direitos dos titulares de dados.


Transparência e Ética na Gestão de Dados e IA


O princípio da transparência é fundamental na gestão de dados pessoais, exigindo que os responsáveis pelo tratamento desses dados forneçam aos titulares informações claras, precisas e de fácil acesso. Essas informações devem cobrir não apenas como os dados são tratados, mas também quem são os agentes responsáveis por esse tratamento. A implementação de políticas de privacidade claras e compreensíveis é uma das principais manifestações desse princípio. Por exemplo, uma loja online que coleta dados de compras deve explicitar em sua política de privacidade quais dados são coletados, os objetivos da coleta, os terceiros com quem os dados podem ser compartilhados e os direitos dos usuários, incluindo como acessar, corrigir ou excluir suas informações pessoais. Adicionalmente, oferecer um painel de controle para que os usuários gerenciem suas preferências de privacidade pode fortalecer a confiança e promover um ambiente transparente.


No âmbito da inteligência artificial (IA), a transparência não é apenas desejável, mas essencial para o desenvolvimento ético da tecnologia. É crucial que os sistemas de IA sejam projetados para informar claramente quando estão interagindo com os usuários ou quando as ações dos usuários são significativamente impactadas por tais sistemas. Além disso, é importante que as decisões tomadas por sistemas de IA sejam transparentes, permitindo que os indivíduos compreendam e tenham acesso a informações relevantes sobre como essas decisões afetam seus direitos. Esse nível de transparência deve ser alinhado com rigorosas práticas de proteção da privacidade, assegurando que os sistemas de IA respeitem os direitos de privacidade dos usuários e garantam a segurança dos dados. Em última análise, a transparência e a privacidade são componentes interligados de uma IA responsável e ética, essenciais para manter a confiança do público e promover o uso consciente da tecnologia.


Um exemplo ilustrativo de transparência no desenvolvimento de sistemas de IA pode ser visto na abordagem adotada por uma empresa de tecnologia financeira. Ao desenvolver um sistema de IA para análise de crédito, a empresa assegurou que todos os critérios e variáveis utilizados pelo algoritmo fossem claramente divulgados aos usuários. Antes de aplicar para um empréstimo, os clientes são informados sobre como seus dados serão utilizados para determinar sua elegibilidade de crédito, incluindo quais aspectos de seu histórico financeiro são considerados e como podem impactar o resultado da análise. Além disso, a empresa fornece uma opção para os clientes entrarem em contato com um especialista para discutir qualquer decisão tomada pelo sistema, garantindo que haja um canal aberto de comunicação para esclarecimento de dúvidas e contestação de decisões, se necessário. Esta prática não só aumenta a confiança dos usuários na justiça do processo de análise de crédito, como também fortalece a conformidade com as normas de proteção de dados e ética em IA.


Transparência em Dados e IA: Princípios e Práticas


A medida preventiva da ANPD contra o grupo Meta destaca o princípio da transparência sob duas óticas distintas. Primeiramente, enfatiza a necessidade de informar claramente aos usuários do Facebook, Instagram e WhatsApp sobre como seus dados pessoais são utilizados para desenvolver sistemas de inteligência artificial (IA). Embora não explicitamente mencionado no voto da diretora Miriam Wimmer, o segundo aspecto é a transparência no desenvolvimento da própria IA, que envolve disponibilizar aos usuários informações detalhadas sobre os critérios e processos que orientam a criação desses sistemas.


Transparência vai além da mera divulgação das políticas de privacidade. Está intrinsicamente ligada à clareza e extensão com que as informações sobre o uso de dados pessoais são compartilhadas, especialmente aquelas que são utilizadas para o desenvolvimento de tecnologias avançadas, como as IAs do grupo Meta. Esta prática destaca a importância de adotar a transparência como guia no desenvolvimento de sistemas de IA, com um enfoque especial na privacidade e na proteção de dados.


Além de cumprir com as normas legais, a transparência é fundamental para construir uma relação de confiança com os usuários. Ao incluir os usuários no processo decisório sobre como seus dados são usados, as organizações promovem um maior engajamento e permitem que eles exerçam seus direitos de maneira efetiva, como acessar, corrigir ou excluir suas informações pessoais. Em última análise, a transparência serve para diminuir a assimetria de informação entre as organizações que processam dados e os indivíduos a quem esses dados pertencem, assegurando que os usuários possam tomar decisões informadas e protegerem-se contra usos indevidos de suas informações pessoais.


A Importância da Transparência e Ética no Futuro da Tecnologia


Em suma, a medida preventiva da ANPD contra a Meta Platforms ressalta a importância crítica da transparência na era digital, especialmente no contexto do tratamento de dados pessoais e do desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial. A necessidade de informar claramente os usuários sobre como seus dados são utilizados não é apenas uma questão de conformidade legal, mas um pilar fundamental para construir e manter a confiança pública. A transparência garante que os indivíduos não apenas entendam, mas também participem ativamente das decisões que afetam suas vidas digitais, permitindo-lhes exercer seus direitos efetivamente.


O caso da Meta ilustra como a falta de transparência pode levar a intervenções regulatórias significativas, demonstrando a importância de integrar práticas éticas desde a concepção até a implementação de tecnologias disruptivas. À medida que se avança para um futuro cada vez mais dominado pela IA, torna-se imperativo que as empresas adotem uma abordagem transparente e ética em todas as suas operações. Assim, não só se protege a privacidade e os dados dos usuários, mas também se promove um ecossistema tecnológico que é tanto inovador quanto responsável.


Portanto, o princípio da transparência deve ser visto como um componente essencial não apenas para a proteção de dados, mas como a espinha dorsal de qualquer desenvolvimento tecnológico que busque respeitar e fomentar os direitos humanos e a dignidade no século XXI.



*Luiz Felipe Fleury Calaça é advogado e professor. Sócio do GMPR Advogados. Mestre em direito constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Pós-graduado em direito público pelo Instituto Goiano de Direito (IGD). Bacharel em direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG).



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