A prescrição é um dos institutos mais significativos do Direito como um todo. Afinal, definida como matéria prejudicial de mérito, tem como finalidade afastar a pretensão jurídica que já se encontra defasada pelo decurso do tempo.
Assim, “enquanto a decadência é a perda do direito, a prescrição é a perda da pretensão”, e nesse sentido, o artigo 189 do Código Civil, transcreve que, “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206”.
Além disso, a prescrição é titulada como matéria de ordem pública, já que pode ser alegada a qualquer momento do processo, nos termos do artigo 193 do CC[1]; assim como, também, não incorre contra os absolutamente incapazes (menores de 16 anos)[2], em atenção ao que disciplina o artigo 198, I, do CC[3].
Feitas essas breves considerações quanto ao instituto da prescrição, passa-se, agora, à aplicabilidade no Direito Securitário.
Conforme outrora dito, os prazos prescricionais encontram-se reunidos nos artigos 205 e 206 do Código Civil de 2002. Falemos, inicialmente, daqueles que constam no artigo 206, §1º, II, a) e b):
Art. 206. Prescreve:
§ 1 o Em um ano:
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
Nota-se, pois, do §1º, II, o prazo prescricional de um ano para a pretensão do segurado em face da seguradora, e vice-versa. Há uma pequena diferenciação, no entanto, que vem logo abaixo, nas alíneas a) e b).
É que, para o seguro de responsabilidade civil, segundo o disposto na alínea a), a contagem do prazo de prescrição inicia-se da data de citação do segurado na ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado; ou, da data que o próprio segurado indeniza o terceiro prejudicado, desde que com a anuência da seguradora.
A título de exemplo, seria a situação hipotética de o médico segurado que, no exercício da profissão, causou danos ao paciente e, por conta disso, figurou como réu em ação de indenização. Assim, ao ser citado nesta ação, inicia-se para o médico o prazo prescricional de sua pretensão em face da seguradora que eventualmente não cumpriu a apólice do seguro.
Há também o caso de o médico segurado indenizar o paciente prejudicado para evitar a ação indenizatória, de modo que, desde que tenha feito com a anuência da seguradora, da data da indenização contar-se-á o prazo de prescrição da pretensão de reembolso.
Já a alínea b), por sua vez, prevê o prazo de um ano para os demais tipos de seguro, como por exemplo, o seguro veicular, em que a seguradora, hipoteticamente, negue a cobertura do sinistro. Neste caso, a prescrição fluirá da data de ciência do segurado quanto a negativa de cobertura por parte da seguradora.
Inobstante a essa diferenciação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) uniformizou o entendimento através do incidente de assunção de competência proposto no REsp nº 1.303.374[4], como sendo o “prazo anual de prescrição em todas as pretensões que envolvam interesses de segurado e segurador em contrato de seguro”.
Esta é a regra geral. Um ano, contado da citação da ação indenizatória; ou da indenização paga ao terceiro prejudicado; ou do fato gerador, que se caracteriza pela ciência de negativa de cobertura da seguradora, segundo dispôs a ministra Nancy em seu voto como Relatora do REsp nº 1.970.111[5]. Destaca-se o trecho:
“É, em regra, a ciência do segurado a respeito da recusa da cobertura securitária pelo segurador que representa o “fato gerador da pretensão”, devendo, a partir deste instante, portanto, iniciar-se o transcurso do prazo prescricional”, apontou a ministra Nancy Andrighi.”
Todavia, o artigo 206 do CC traz, ainda, a previsão do §3º, IX. A ver:
Art. 206. Prescreve:
§ 3 o Em três anos:
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
O dispositivo institui que a prescrição para o beneficiário e/ou terceiro prejudicado, contra a seguradora, em se tratando de seguro de responsabilidade civil obrigatório, é de três anos.
Ora, mas não seria de um ano, conforme traz o §1º, II, alínea a)? Aí está o detalhe! É que o seguro de responsabilidade civil que trata o §3º, IX, é aquele de caráter obrigatório, como por exemplo, o “Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou Não”, conhecido como seguro DPVAT. Sobre o tema, o STJ consolidou o entendimento por meio da Súmula 405:
Súmula 405: A ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos.
Assim, em se falando de Seguro de Responsabilidade Civil de caráter obrigatório, o prazo prescricional é de três anos, contados, também, da ciência do segurado quanto a negativa de cobertura por parte da seguradora.
Percebe-se, no entanto, que o artigo 206 do CC não retrata, de forma expressa, como procederá a contagem do prazo de prescrição para o beneficiário de seguros de caráter não obrigatório, como por exemplo, o beneficiário estipulado pelo segurado na apólice de seguro de vida.
De sorte, o STJ pacificou a matéria e determinou que o prazo prescricional para a pretensão do beneficiário em face da seguradora, sendo o seguro de caráter facultativo, é decenal, ou seja, de dez anos, conforme previsto no caput do artigo 205 do CC. Vide:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. BENEFICIÁRIO. PRESCRIÇÃO DECENAL. CITAÇÃO. CAUSA INTERRUPTIVA DA PRESCRIÇÃO. JULGADO ESTADUAL EM HARMONIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Em se tratando de pretensão de terceiro beneficiário do seguro de vida em grupo, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação contra a seguradora é decenal, nos termos do art. 205, do Código Civil, não se aplicando o prazo trienal previsto no art. 206, § 3º, IX, do mesmo diploma legal, estabelecido para os beneficiários de seguro obrigatório, o que não é o caso dos presentes autos. Precedentes. (STJ - REsp: 1956105 AC 2021/0265141-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 01/08/2022)
Portanto, tem-se que o Código Civil traz três diferentes prazos prescricionais que envolvem o Direito Securitário, e estão dispostos no artigo 206, §1º, II, a) e b); §3º, IX; e artigo 205, caput.
Destarte, sabe-se que a relação entre segurado e a seguradora é classificada como relação de consumo, pois que há, de um lado, o fornecedor de serviços e, doutro, o destinatário final, conforme o disposto nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A partir disso, surge a dúvida: mas e o prazo prescricional de cinco anos previsto no artigo 27 do CDC? Este se aplica à relação securitária? Afinal, disciplina que “prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”.
Quanto a esse ponto, a resposta é que só se aplicará o prazo quinquenal previsto no artigo 27 do CDC quando o segurado pretender indenização de danos causados por fato do serviço, e não o simples adimplemento do contrato de seguro.
Nesse mesmo sentido, o desembargador do TJ/RJ Sylvio Capanema de Souza, exemplifica em seu artigo “A Prescrição no Contrato de Seguro e o Novo Código Civil”[6] da seguinte forma:
“Assim, por exemplo, se o veículo segurado estiver sendo transportado para a oficina, pela seguradora, que a isto se obrigou no contrato, e vier a sofrer um dano maior, em virtude de um defeito na lança do reboque, a pretensão indenizatória prescreverá em cinco anos, e não apenas em um.”
Podemos concluir, pelo exposto, que o estudo da prescrição na matéria securitária não só é válido como deve ser considerado indispensável, sobretudo pelos riscos que englobam o ajuizamento de pretensão prescrita, como o pagamento de custas processuais e honorários de sucumbência.
Portanto, a busca de um corpo jurídico especializado torna-se cada vez mais necessária nos dias atuais, haja vista as peculiaridades que se subdividem e se multiplicam nos vários ramos do direito; fato esse que deve ser observado pelos litigantes.
Assinado por Igor Gomes dos Santos, OAB/GO nº 68.034.
[1] CC. Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita. [2] CC. Art. 3 o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. [3] CC. Art. 198. Também não corre a prescrição: I - contra os incapazes de que trata o art. 3 o ; [4] STJ - REsp: 1303374 ES 2012/0007542-1, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 30/11/2021, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 16/12/2021; [5](STJ - REsp: 1970111 MG 2021/0233899-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/03/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/03/2022) [6] SOUZA, Sylvio Capanema de. “A Prescrição no Contrato de Seguro e o Novo Código Civil”, Revista da EMERJ, v. 6, n. 21, 2003
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