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Perspectivas sobre a Recuperação Judicial no campo

O agronegócio possui primazia na economia brasileira e é responsável por grande monta do PIB do País. A produção nacional ganha destaque por ser a maior fornecedora global de commodities. Além disso, o setor gera milhares de empregos, sustentando inúmeras famílias de forma direta e indireta.

 

Desde o ano de 2021 os produtores rurais vêm enfrentando dificuldades em sua atividade em razão dos altos custos dos insumos para produção, destacando-se a escassez dos defensivos agrícolas e fertilizantes, motivada pelas tensões geopolíticas, e a posterior baixa no preço da saca de soja no ano de 2022.

 

O ano de 2023 foi igualmente desafiador, principalmente em razão das condições meteorológicas provocadas pelo aquecimento global e pelo fenômeno El Niño, que trouxe instabilidades em todo o País no que diz respeito ao baixo volume de chuvas, conforme atestam os boletins divulgados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET)[1].

 

Em função disso, o “efeito cascata” provocado pelo cenário dos últimos anos no setor, nos trouxe a atual conjuntura de alto endividamento e crise econômico-financeira dos produtores rurais, de modo geral.

 

Frente a este contexto, somando-se às inovações trazidas pela reforma feita em 2020 na Lei de Recuperação e Falências, houve um aumento significativo, para não dizer assustador, na quantidade de pedidos de recuperação judicial entre os produtores rurais.

 

Sabe-se que o princípio maior da recuperação judicial é viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de que este continue a exercer a sua função social, por meio da manutenção da fonte produtora, dos empregos gerados e dos interesses dos seus credores.

 

À luz deste aspecto que a reforma na Lei ampliou as possibilidades da utilização deste instituto pelos produtores rurais.

 

As modificações que merecem maior destaque dizem respeito ao requisito temporal para ajuizamento do pedido e possibilidade de adesão do plano de recuperação especial.

 

Antes, era necessário que o produtor rural comprovasse o exercício regular de sua atividade, mediante registro perante a Junta Comercial, pelo período mínimo de 2 (dois) anos. Agora, após a reforma da Lei, é possível que o produtor contabilize no período de 2 (dois) anos o tempo que exerceu a atividade como pessoa física, bastando que, alcançado tal período, solicite posterior registro perante a Junta Comercial, a fim de viabilizar o pedido.

 

Vale ressaltar que tal dispositivo fora tema de deliberação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que firmou a tese do Tema Repetitivo n. 1.145, decidindo-se definitivamente que “Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro.”, o que trouxe maior segurança jurídica aos produtores que precisem se valer do instituto.

 

Quanto ao plano de recuperação especial, poderá ser utilizado pelos produtores que possuírem passivo de até R$ 4.8 milhões, autorizando-se o pagamento dos credores em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, que começarão a ser pagas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias da data do pedido de recuperação judicial.

 

Apesar da reforma da Lei de Recuperação Judicial ter trazido grandes inovações para o setor agropecuário, nem tudo são flores. Alguns aspectos do instituto devem ser analisados com cautela e de forma racional, a fim de que o produtor rural – que já se encontra em um período instável de sua atividade – não se complique ainda mais ao seguir o caminho da recuperação judicial.

 

Dentre os aspectos gerais, deve-se frisar que deverão ser pagas custas iniciais para o ajuizamento do pedido, valor este que é calculado com base no valor da causa, que será o valor do passivo do devedor. Ademais, o juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração devida ao administrador judicial durante o curso do processo, que poderá chegar ao percentual de 5% (cinco por cento) do valor das dívidas.

 

Quando ao plano de recuperação especial, ressalta-se que a Lei de Recuperação Judicial determina a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar novos empregados.

 

Outro ponto de suma importância a ser ponderado, é que a recuperação judicial não é concedida de plano, apenas no ato de ajuizamento, devendo-se primeiramente haver aprovação do plano de recuperação judicial – no qual o devedor informa de que modo pretende adimplir com suas dívidas – pela maioria de seus credores, na forma exigida por Lei, e posterior homologação pelo Juízo.

 

A consequência da não aprovação do plano e não concessão da recuperação judicial ao devedor é extremamente gravosa: será decretada a sua falência!

 

Diante de tudo o que foi exposto, constata-se que o instituto da recuperação judicial do produtor rural é uma dádiva, se utilizada racionalmente e com a devida responsabilidade, mas também pode se tornar um verdadeiro infortúnio ao produtor agropecuário, se utilizada deliberadamente.

 

A recuperação judicial jamais deve ser enxergada pelo produtor rural como a sua primeira opção e, muito menos, como a solução de todos os seus problemas. As consequências da banalização deste instrumento jurídico são arriscadas, uma vez que poderão afetar todo o setor agropecuário, dificultando o acesso ao crédito e fomento a todo o mercado agro.

 

Sabe-se que o setor está passando por uma crise severa e, como afirmou recentemente o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion, ainda não é possível quantificar a situação geral, em razão da colheita ainda estar em andamento, principalmente da safra de soja. Contudo, é notório que o valor dos grãos não cobrirá o custo da produção, o que aflige os produtores rurais.

 

Em face desse cenário, aconselha-se ao produtor que, a princípio, procure medidas extrajudiciais de negociação de suas dívidas, tendo em vista que geralmente o produtor não possui uma grande quantidade de credores, concentrando-se em instituições financeiras e fornecedores.

 

A própria Lei de Recuperação Judicial e Falência fomenta a conciliação e mediação, inclusive dispondo sobre a possibilidade de conciliações e mediações antecedentes, ou seja, antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial, a fim de que os conflitos sejam resolvidos de forma célere, eficaz e menos gravosa.

 

Ressalta-se, ainda, que o Tribunal Superior (STJ) já possui entendimento consolidado, quanto à possibilidade de prorrogação das dívidas originadas do crédito rural, por meio da Súmula n. 298, determinando-se que o alongamento dessa dívida não é de livre escolha da instituição financeira, mas sim, um direito do devedor!

 

Para obter tal prorrogação da dívida rural, o produtor deverá demonstrar os seguintes requisitos: (i) dificuldade de comercialização dos produtos; (ii) frustração de safras, por fatores adversos; ou (iii) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.

 

Diante dos desafios enfrentados pelo setor agropecuário, é essencial que os produtores adotem uma postura prudente e estratégica. Embora a recuperação judicial possa representar uma ferramenta crucial em momentos de crise financeira, sua utilização deve ser ponderada. A superação da crise demandará esforços coletivos e escolhas conscientes, a fim de preservar não apenas o setor agropecuário em si, mas também toda a robustez econômica do Brasil gerada por ele.

 

Com perseverança e visão estratégica, confia-se que o setor agropecuário brasileiro irá emergir mais forte e resiliente, continuando a desempenhar o seu papel vital na economia nacional.

 

*Maria Luísa Aquino Maia, advogada no GMPR Advogados, Especialista em Direito Empresarial, atuante na área de Recuperação Judicial e Falência.

 

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