Quem nunca se deparou com uma loja do grupo Americanas ao passear pelo shopping? A sua logo chamativa em vermelho sempre atraiu os mais variados tipos de clientes que, buscando por uma promoção de doces, itens de papelaria, eletrônicos e até mesmo livros, se aventurou na loja de departamentos mais espalhada do país.
No entanto, com a informação do rombo nas contas do grupo e da dívida declarada de mais de R$ 43 bilhões, percebeu-se que não é só a fachada da loja que se encontra em vermelho.
Com tamanha dívida, os credores do grupo Americanas demonstraram preocupação quanto ao recebimento dos seus valores, especialmente em razão do pedido de recuperação judicial feito, cujo processamento foi deferido em janeiro deste ano pela 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro.
Dentre as determinações do Juízo, destacou-se (i) a necessária apresentação do quadro de credores pelo administrador judicial no prazo de 48 (quarenta e oito) horas; (ii) a inexigibilidade das dívidas vencidas; (iii) a suspensão de todas as ações e execuções em face da Companhia; e, ao que nos interessa, a (iv) preservação de todos os atos necessários ao grupo.
Ainda assim, no aguardo da homologação da lista de credores, muito se indaga: qual o destino das lojas do grupo Americanas? Continuarão de portas abertas ou seus locadores poderão despejá-las?
Para entender melhor todo o panorama da situação, é necessário apresentar brevemente aspecto teórico do procedimento da Recuperação Judicial, visto ser esse o principal de ponto de dúvida. É o que faremos.
A Recuperação Judicial, regida pela Lei nº 11.101, tem como objetivo proporcionar ao empresário ou às sociedades empresárias que se encontrem em uma situação financeira crítica – como o grupo Americanas – a possibilidade de continuar com suas atividades e, principalmente, evitar a falência do negócio, mantendo-se de portas abertas e gerando empregos.
A principal característica do procedimento é a suspensão de todas as dívidas, execuções, ações e cobranças em face da devedora que, após catalogadas e descriminadas pelo administrador judicial, serão colocadas em um plano para pagamento.
A decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial do grupo Americanas foi clara ao estabelecer que todas as ações e execuções em face da companhia deveriam ser suspensas, salvo se correspondessem a quantias ilíquidas ou créditos trabalhistas.
Assim, se a dívida for anterior ao pedido de recuperação judicial e constar em um título executivo, como acontece com um contrato de locação com aluguéis vencidos, os locadores não poderão exigir de imediato os valores. A regra será de que todas cobranças e execuções com essas características estarão suspensas, bem como também os efeitos de toda e qualquer cláusula que imponha o vencimento antecipado.
E no caso dos Shopping Centers? Eles serão obrigados a permanecerem com as lojas locadas pelo grupo Americanas, ainda que inadimplentes, ou poderão ajuizar ações de despejo?
Ao nosso ver, a resposta é clara: embora haja a suspensão dos débitos vencidos em razão do deferimento do processamento da recuperação judicial, o melhor entendimento do Superior Tribunal de Justiça diz que permanece assegurado o direito de propriedade, podendo os respectivos locadores procurarem reaver seus imóveis por meio das ações de despejo.
Isso porque na oportunidade de julgar o Agravo Interno nos Embargos de Declaração n. 136.996/RS, em que se discutia a possibilidade do despejo em face de locatário que se encontrava em recuperação judicial, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu que apenas o débito proveniente da locação se submete ao procedimento, mas não o direito de propriedade do locador, que deve prevalecer.
Desse modo, segundo a perspectiva apresentada pelo Superior Tribunal de Justiça, aliado ao princípio do acesso à justiça e à prestação jurisdicional, não deve haver qualquer impeditivo legal de proprietários de imóveis ingressarem com a competente ação de despejo em face das lojas do grupo Americanas.
O que deve ser considerado no caso da S.A. é que o juízo recuperacional já se manifestou acerca da impossibilidade da concessão do despejo pautado na inadimplência quando se tratar de débitos anteriores ao deferimento da recuperação judicial. Ainda que passível de discussão, a decisão da 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro torna clara a inexistência de qualquer impedimento para que o locador exija a devolução de seu imóvel em ação de despejo fundada na falta de pagamento dos débitos locatícios de fevereiro de 2023 em diante.
Isso porque, no caso de locação, os débitos locatícios dos meses após o deferimento do processamento da recuperação judicial não devem ser protegidos pelo plano de recuperação, porquanto nascem de um contrato que gera obrigações que vencem mês a mês, a depender da ocupação do imóvel.
A conclusão que se chega é una: os locadores poderão requerer o despejo das lojas do grupo Americanas de seus respectivos imóveis, desde que fundado em matérias que não digam respeito à dívida do grupo (denúncia ou descumprimento do contrato, por exemplo) ou em débitos posteriores ao deferimento da Recuperação Judicial, ou seja, posteriores a 19 de janeiro de 2023.
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