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Responsabilidade Civil do Estado e a proteção do agente público no exercício de funções sancionatórias

A responsabilidade civil do Estado no ordenamento jurídico brasileiro, consagrada no art. 37, § 6º da Constituição Federal, prevê a responsabilidade objetiva do ente público por danos causados a terceiros, decorrentes de ações ou omissões de seus agentes no exercício de suas funções. No entanto, o papel do servidor público, especialmente no âmbito do direito administrativo sancionador, levanta uma questão delicada: até que ponto o agente pode ser responsabilizado por suas decisões, e como o Estado pode garantir a proteção de seus servidores no exercício dessas funções?


Este artigo propõe analisar a responsabilidade civil do Estado no contexto da atuação sancionatória dos servidores públicos, destacando a teoria do risco administrativo e o princípio da proporcionalidade como balizas para assegurar o equilíbrio entre a eficiência administrativa e a proteção dos agentes públicos. Busca-se, portanto, demonstrar que, apesar da responsabilidade objetiva do Estado, há limites para a responsabilização do servidor, que deve ser resguardado em sua atuação discricionária e técnica. Explica-se.


A Responsabilidade Civil do Estado no Direito Brasileiro: Teoria do Risco Administrativo


A responsabilidade civil do Estado no Brasil adota a teoria do risco administrativo, que impõe ao Estado o dever de indenizar por danos causados por seus agentes públicos, independentemente de culpa. Tal previsão está explicitada no art. 37, § 6º da Constituição, segundo o qual o Estado responde pelos atos que causem danos a terceiros, sendo facultado o direito de regresso contra o servidor, apenas em casos de dolo ou culpa grave.

A teoria do risco administrativo não se confunde com a teoria do risco integral, uma vez que admite excludentes de responsabilidade, como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. O objetivo dessa responsabilização é garantir que os administrados não sofram prejuízos em decorrência de atos estatais, contudo, a aplicação dessa teoria no âmbito do direito sancionador merece reflexão.


O servidor público que atua em funções sancionatórias, muitas vezes, opera sob critérios de discricionariedade, o que o expõe a riscos de responsabilização excessiva. Um exemplo é o auditor fiscal que, ao aplicar uma multa com base em normas fiscais e sua interpretação técnica, pode ver essa decisão questionada judicialmente. Se sua atuação estiver dentro dos limites legais e técnicos, não seria razoável responsabilizá-lo automaticamente pelos resultados. Nesse contexto, a proteção ao servidor é essencial para garantir a imparcialidade e eficiência da administração pública.


Essa necessidade de proteção se torna ainda mais evidente no âmbito do direito administrativo sancionador, que confere ao Estado o poder de aplicar sanções a indivíduos e servidores por infrações administrativas. Diferentemente do direito penal, onde a retribuição é o foco central, o direito sancionador busca preservar o interesse público, garantindo a disciplina e o controle interno da administração, o que reforça a importância de equilibrar o poder punitivo estatal com a devida proteção aos agentes públicos que exercem essas funções.


Com efeito, o servidor público, ao aplicar sanções, assume uma posição de responsabilidade considerável, pois suas decisões afetam diretamente os direitos dos administrados. No entanto, é preciso reconhecer que, em diversas situações, o agente atua dentro de margens discricionárias que exigem julgamento técnico, o que torna mais difícil aferir a culpa ou dolo em suas ações.


Em razão disso, o servidor deve ser resguardado para que possa desempenhar suas funções sem temor de responsabilizações desproporcionais. A responsabilização do agente público, portanto, deve ser pautada em critérios de razoabilidade e proporcionalidade, de forma a evitar punições que extrapolem os limites do risco inerente à função pública.


O Princípio da Proporcionalidade e a salvaguarda dos servidores


O princípio da proporcionalidade, oriundo do direito constitucional e aplicado no âmbito do direito administrativo, exige que as sanções sejam compatíveis com a gravidade da infração, os objetivos visados pela norma e os meios empregados para alcançá-los. Ele é fundamental para garantir que as decisões sancionatórias não sejam excessivas ou arbitrárias, tanto em relação aos administrados quanto aos próprios servidores que aplicam as sanções.


No contexto da responsabilização do agente público, a proporcionalidade atua como um balizador que impede a aplicação de sanções desmedidas contra o servidor que, no exercício de suas funções, toma decisões que podem vir a ser questionadas, mas que foram adotadas com base em critérios técnicos e dentro dos limites de sua competência.


Esse princípio também deve ser aplicado nas decisões que envolvem a responsabilização civil do Estado. Assim como o Estado é objetivamente responsável por danos causados a terceiros, deve-se evitar que o servidor público seja responsabilizado por atos praticados em estrito cumprimento de seu dever funcional, salvo em casos de dolo ou erro grosseiro.


A jurisprudência brasileira tem reconhecido o princípio da proporcionalidade como uma importante ferramenta na defesa dos direitos dos servidores públicos. Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça reforçam a ideia de que a atuação do servidor em funções sancionatórias deve ser avaliada com cautela, para evitar punições injustas que possam inibir sua atuação profissional.


Teoria da Reserva de Administração e a proteção do agente público


A teoria da reserva de administração, por sua vez, sustenta que a administração pública possui uma margem de autonomia para tomar decisões discricionárias em situações técnicas e complexas. Essa autonomia é especialmente relevante no âmbito do direito administrativo sancionador, onde os agentes públicos, ao aplicar sanções, muitas vezes exercem juízos de valor que envolvem considerável grau de interpretação das normas.


Essa discricionariedade permite que o servidor público avalie as circunstâncias e aplique a norma da maneira mais adequada ao caso concreto, sem que cada decisão seja automaticamente revisada ou questionada judicialmente. No entanto, para que essa autonomia seja efetiva e não se transforme em arbitrariedade, deve ser cercada de critérios como a razoabilidade e a proporcionalidade, de modo a garantir a proteção dos administrados e dos próprios servidores.


A teoria da reserva de administração é particularmente importante para proteger os servidores que atuam em funções sancionatórias, uma vez que, em muitas ocasiões, a aplicação de sanções administrativas envolve a escolha entre diferentes alternativas válidas e a ponderação de vários fatores. Nesse contexto, os agentes públicos devem ter a segurança de que suas decisões, se tomadas dentro dos limites legais e com base em critérios técnicos, não resultarão em sua responsabilização indevida.


Por outro lado, essa proteção não elimina a possibilidade de responsabilização em casos de dolo ou culpa grave, mas assegura que o servidor não seja punido injustamente por decisões que exigiram um julgamento subjetivo. A reserva de administração, assim, não só preserva a independência técnica dos servidores como também é uma condição necessária para a eficiência administrativa.


Análise Crítica: o papel do Estado e as garantias do servidor público


A responsabilidade civil do Estado, quando aplicada de maneira desproporcional, pode gerar efeitos negativos tanto para o servidor público quanto para a própria administração. A imposição de sanções severas aos agentes que atuam dentro de suas atribuições pode desencorajar a atuação eficiente e comprometida, gerando um ambiente de insegurança jurídica. Nesse cenário, a proteção ao servidor público deve ser considerada uma prioridade.


A atuação discricionária e técnica dos servidores, sobretudo em funções sancionatórias, deve ser cercada de garantias que assegurem sua imparcialidade e segurança no exercício das atividades. A responsabilização do Estado, portanto, deve ser acompanhada de mecanismos de proteção ao agente público, de modo que ele não seja penalizado indevidamente por decisões que envolvam análise de critérios subjetivos ou de interpretação legal.


Dessa forma, é essencial que a legislação e a jurisprudência continuem evoluindo no sentido de proteger o servidor público, de modo que ele possa desempenhar suas funções de maneira eficiente e sem receio de ser responsabilizado por atos que, embora passíveis de questionamento, foram realizados no cumprimento de suas funções.


A responsabilidade civil do Estado, pautada na teoria do risco administrativo, tem o objetivo de proteger os direitos dos administrados, garantindo a reparação dos danos causados pela administração pública. No entanto, é crucial que, no âmbito do direito administrativo sancionador, os servidores públicos sejam protegidos contra responsabilizações injustas.


O princípio da proporcionalidade surge como uma ferramenta essencial para equilibrar a aplicação de sanções com a proteção dos agentes públicos, assegurando que o Estado responda pelos atos de seus servidores sem, contudo, imputar ao agente público uma responsabilidade desproporcional.


Além disso, a teoria da reserva de administração desempenha um papel crucial na proteção dos servidores que atuam com discricionariedade técnica. Essa teoria assegura que as decisões tomadas no exercício legítimo de suas funções, dentro dos parâmetros legais e com base em critérios técnicos, sejam respeitadas, garantindo que os servidores não sejam penalizados por decisões que envolvem julgamentos subjetivos e complexos.


Portanto, conclui-se que a proteção ao servidor no exercício de funções sancionatórias é necessária não apenas para preservar a eficiência administrativa, mas também para assegurar que o Estado responda de maneira justa e equilibrada, sem comprometer a autonomia e a segurança jurídica dos agentes públicos. Isso preserva tanto os direitos dos administrados quanto a integridade e confiança na administração pública.


*Marcos Aurélio Bastos é advogado, integrante das equipes de Execuções, Direito Público e Direito Previdenciário do Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Público na Universidade Federal de Goiás. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/GO.

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