Por: Leonardo Honorato Costa
Há tempo enfrentamos, no Brasil, um indesejável problema ocasionado pela falta de regulamentação legal relativamente às consequências para as empresas (e seus respectivos sócios) que são baixadas irregularmente. Temos, em nosso ordenamento, tão somente regras que dispõem sobre a forma de se “baixar” uma empresa: após quaisquer das causas de dissolução da sociedade (art. 1.033 do CC), a sociedade entrará em fase de liquidação (art. 1.102 do CC), momento em que ou se promoverá a sua extinção (art. 1.109 do CC), caso não subsistam credores a serem saldados, ou, caso haja e o patrimônio seja insuficiente, será́ confessada a falência da empresa (art. 1.103, VII, do CC).
O que acontece, porém, quando o empresário não cumpre esse procedimento? Este o cerne da problemática, que pode ser assim resumida: a) a legislação não traz regras exaurientes sobre as consequências da baixa irregular de uma empresa; b) como corolário, surge uma indesejável celeuma aos credores quanto ao recebimento de seus créditos, dada a baixa do CNPJ e a pendência de passivo; c) por Tm, ainda gera-se, como inóspito re`exo, dolorosa insegurança jurídica pela dubiedade quanto ao procedimento legal para se alcançar e responsabilizar os ex-sócios da empresa extinta – se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC) ou o incidente de habilitação (art. 687 do CPC), cujo debate ainda não está consolidado em nossos Tribunais, pendendo de acordo com o entendimento de cada juízo.
Pois bem.
Procuro, neste artigo, trazer a discussão uma possível solução: superarmos a aplicação analógica de institutos não específicos com a edição de uma previsão expressa em nossa legislação, a qual enfrente detalhadamente o tema da baixa irregular.
Adianto-a, logo de início: entendo ser razoável que a baixa irregular da empresa fosse alçada à condição de “ato de falência” (art. 94 da LRJF), com previsão expressa de ineficácia da baixa (art. 129 da LRJF) a ser declarada em processo de falência requerido por qualquer credor, apurando-se, na execução coletiva, a responsabilidade dos sócios.
Aos meus olhos, salvo melhor juízo, não há caminhos outros: ou se impossibilita a baixa na pendência de cobranças (judiciais e extrajudiciais – especificamente no tocante a títulos executivos protestados); ou, como sugerido, se alça à condição de “ato de falência” a baixa realizada nesse cenário de passivo acumulado.
O primeiro caminho, pelo menos em minha ótica, não se mostra adequado, pois a impossibilidade de baixa imediata aumentaria gradativamente o passivo de tais empresas. Por isso a maior serventia do segundo caminho, o qual é, diga-se de passagem, fruto de interpretação teleológica do ordenamento jurídico.
Ora, se a empresa foi baixada sem partilha de ativo aos sócios e na pendência de passivo, há que se reconhecer que se trata de empresa insolvente. Uma vez insolvente, a lógica do ordenamento jurídico é que se supere a sanha concorrencial de execuções individuais para se discutir prioritariamente os recebimentos em execução coletiva – falência –, evitando-se uma incontrolável corrida individual por satisfação e garantindo- se que os credores com preferência sejam respeitados.
A preferência em questão está prevista na LRJF, a qual estabelece uma ordem a ser respeitada quanto ao pagamento dos credores de uma empresa insolvente (art. 83), de modo que a solução legislativa ora recomendada seria a única capaz de resguardar o espírito protetivo dessa ordem. Ilustremos.
Em se tratando de microempresas e empresas de pequeno porte, o seu próprio Estatuto (LC 123/06) prevê que a baixa importa em responsabilidade solidária dos sócios quanto às dívidas tributárias (art. 9, §5o). Note-se: caso uma microempresa insolvente seja irregularmente baixada na pendência de passivo, os seus sócios irão responder solidária e automaticamente pelos tributos em atraso, o que não acontecerá quanto às dívidas de outras naturezas – que dependerão de um incidente processual (sem haver consenso sobre qual) para se alcançar os referidos sócios.
Resultado: o credor tributário terá́ maior chance de recebimento, pois, diante da automática solidariedade, certamente chegará antes ao patrimônio disponível dos ex-sócios, prejudicando assim os demais credores que, na falência, teriam o direito de receber antes, como o credor trabalhista, o extraconcursal e o com garantia real (art. 186, paragrafo único do CTN).
O exemplo de desproteção da ordem de preferência, no entanto, não se resume a este, pois, em se tratando de execuções individuais, o cenário não é outro que não de egocentrismo processual, pois que os processos que tramitarem de modo mais célere ou eficaz, independente da natureza do credito, potencialmente terão maior chance de recebimento, em detrimento de qualquer preferência assegurada na lei.
A mesma preterição de recebimento acontece, por exemplo, caso um credor quirografário consiga resultado em processo individual mais célere do que um credor trabalhista, e assim sucessivamente.
Tudo a demonstrar a inconveniência de permitir-se o prosseguimento de execuções individuais em se tratando de empresa insolvente que teve baixa irregular.
É exatamente essa a lógica que fundamenta a proposta feita neste artigo: trazer para a execução coletiva – falência – a discussão sobre o recebimento de credito de uma empresa insolvente, evitando-se uma indesejável e penosa corrida por satisfações individuais, em detrimento do protecionismo legal quanto a determinados créditos.
Se é esta, entrementes, a proposta de solução mais adequada, ou se há ainda outras melhores a serem discutidas, cabe à comunidade política e jurídica enfrentar, mas o que não comporta discussões é a necessidade premente de se regulamentar, mais detalhadamente, o tema “baixa irregular de empresas”.
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