O direito à herança por Testamento Particular é regido pelo Código Civil, nos artigos 1.876 a 1.880, e sua redação pode ser realizada de próprio punho, ou por processo mecânico, em que o de cujus utiliza de um computador por exemplo.
Além disso, esse instituto pode ser escrito em língua estrangeira, desde que as testemunhas a compreendam (Art. 1.880, CC/02).
Assim, para validar um Testamento Particular em juízo, ou seja, para que tenha eficácia o texto em que o Testador dispõe de seu legado, são necessários os seguintes requisitos formais, segundo o Código Civil de 2002:
a) Na redação de próprio punho – seja lido e assinado pelo testador, na presença de pelo menos 3 (três) testemunhas, que devem subscrever o testamento (Art. 1.876, § 1º);
b) Na redação mecânica - não deve conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ler lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão (Art. 1.876, § 2º).
Ocorre que, essas formalidades legais do testamento particular não possuem um caráter finalístico e condão taxativo, mas sim detêm o papel de conservar a manifestação de vontade do falecido. Nessa esteira, o direito brasileiro encontrou caminhos para mitigar os requisitos solenes do testamento particular, visando preencher as lacunas que surgem com o rigor formal do artigo Art. 1.876. Destacam-se duas formas para a flexibilização de tais exigências ritualísticas, confira-se:
1. O legislador, no Art. 1.879, CC/02, buscou garantir que o testamento particular escrito de próprio punho - sem testemunhas - fosse confirmado judicialmente, à critério do juiz, quando houver declaração na própria cédula de circunstâncias excepcionais capazes de dispensar essa formalidade (as testemunhas);
2. A Jurisprudência superior, que tem atenuado a rigidez formal do testamento, a fim de tratar com razoabilidade o caso concreto, já que o cerne da sucessão testamentária é preservar aquilo que quis o testador.
Deste modo, nas veredas para moderar os requisitos formais do testamento particular, o Art. 1.879 do CC/02 é claro em sua possibilidade de suavização a partir de uma declaração de excepcionalidades feita pelo próprio testador. Em vista disso, há de se buscar suporte na jurisprudência dos tribunais superiores, quando outros rigores não forem cumpridos.
Conforme fundamentos perfilhados pelo Superior Tribunal de Justiça, os vícios que podem ser dispensados para que o testamento seja validado são os puramente formais, ou seja, que afetam apenas a forma externa da cédula (a caligrafia do testador, por exemplo).
Por outro ângulo, os vícios formais-materiais, que contaminam o conteúdo do documento e colocam em dúvida a real intenção do testador, não podem ser afastados (como exemplo, a higidez mental do testador comprometida à época).
Nesse tom, a doutrina acompanha a atividade da corte - o julgador que interpreta o testamento parte do princípio do favor testamenti, que vigora em sede de Direito Testamentário e busca atender à vontade do testador, incentivando uma leitura das cláusulas testamentárias que lhes deem eficácia, em detrimento de interpretações que pudessem anulá-las. A materialização do princípio é evidente, posto que a nulidade de uma cláusula, não afeta o restante do documento.
Com isso, os juízos sucessórios delimitam-se não apenas às cláusulas do testamento, mas ao contexto e realidade do autor, com empenho para conhecer o perfil do de cujus no momento de elaboração do documento. Assim, a função interpretativa dos julgadores dedica-se a perquirir e identificar o que realmente quis o testador.
Diante da eficácia do testamento iniciar-se tão somente com a morte, cenário em que não se pode mais acessar a fonte mais clara da vontade exprimida na cédula, a regra interpretativa imperiosa se torna preservar a finalidade do ato.
O STJ já deixou claro que a inobservância dos atos procedimentais não anula a finalidade do testamento, pois a primazia do ato são as manifestações de última vontade do testador, independentemente da forma.
Logo, conclui-se que as formalidades legais são examinadas caso a caso, pelo juízo, sendo possível elencar um rol de situações em que se valida o testamento particular, em detrimento do rigor formal, veja-se:
Ausência da assinatura do testador – desde que colacionadas nos autos provas de que se tratava de sua última vontade;[3]
Número de testemunhas – a presença de duas testemunhas na leitura do testamento, ao invés de três, é suficiente (REsp 1.583.314);
Confirmação das testemunhas – podem, alternativamente, confirmar a o fato de aquela foi a vontade do testador; ou atestar que o testamento foi lido em sua presença e que as assinaturas no documento pertencem a elas e ao testador (REsp 2.080.530);
Nessa toada, importante destacar o julgado (REsp 2005877/MG) que julgou improcedente o cumprimento de testamento particular que não foi lido e assinado na presença de nenhuma testemunha. A importância decorre do seguinte argumento do voto:
(...) 6- Na hipótese em exame, é incontroverso que o testamento particular teria sido escrito de próprio punho pelo autor da herança sem a presença e sem a leitura perante nenhuma testemunha, que não houve a declaração, na cédula testamentária, de circunstâncias excepcionais que justificassem a ausência de testemunhas (tampouco foram demonstradas tais circunstâncias na fase instrutória) e que a veracidade da assinatura atribuída à testadora, que não foi objeto de prova pericial, somente foi atestada por uma testemunha, inexistindo, pois, a possibilidade de registro, confirmação e cumprimento do testamento particular apresentado. (...)
Ainda que este caso não integre o rol de flexibilizações acima, infere-se da argumentação utilizada no voto que, com uma prova pericial robusta (perícia grafotécnica) que confirme a autenticidade da assinatura, e que não havendo dúvidas sobre a vontade do testador, o STJ poderia flexibilizar a ausência de testemunhas e validar o testamento.
Desse modo, conhece-se que a análise da regularidade da disposição de última vontade deve garantir a máxima preservação do desejo do testador, sendo certo que a constatação de vício formal, por si só, não pode ensejar a invalidação do ato. Esse perfil de interpretação testamentária tem sido extensivamente adotado pelo STJ, pois o rigor formal deve ceder ante a necessidade de se atender à finalidade do ato, a fim de garantir segurança jurídica – mediante a correta interpretação do testamento - aos herdeiros beneficiados pelo testamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Dias, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 8ª ed. São Paulo: EDITORA JUSPODIVM, 2022.
Tartuce, Flávio. 2021. Manual de Direito Civil: volume único. 11ª ed. São Paulo: Método.
Amanda Chaves é Advogada associada ao Gonçalves, Macedo, Paiva e Rassi Advogados. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Membro da Comissão de Direito das Famílias da Seccional de Goiânia, Goiás. Membro da Comissão de Direito das Sucessões da Seccional de Goiânia, Goiás. Membro do IBDFAM.
Carlos Machado é estagiário no Gonçalves, Macedo, Paiva e Rassi Advogados. Graduando na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás.
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