Escrevi[1], recentemente, ao Rota Jurídica artigo que tratava sobre a necessidade ou não da intimação pessoal do devedor para o início da incidência das astreintes. Naquela oportunidade, defendi que prevalece o entendimento muito bem discriminado em sede doutrinária por José Miguel Garcia Medina: nos casos anteriores ao CPC/15, é necessária a intimação pessoal do devedor, enquanto nos casos posteriores, basta a intimação na pessoa do advogado do devedor.
A questão, agora, tratada neste texto, é, conquanto correlata, outra: é possível instaurar o cumprimento provisório da decisão que fixa as astreintes em tutela antecipada, antes de sua confirmação por sentença? A resposta, aos meus olhos, é positiva. Explico.
No fim de 2014, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973, o Superior Tribunal de Justiça, apoiando-se em interpretação retirada dos artigos 461, § 4º, 475- N, I, e 475-O daquele Código Instrumental, firmou entendimento – sujeito a sistemática dos recursos repetitivos (Resp 1.200.856/RS) – segundo o qual a execução da multa (astreintes) fixada em tutela antecipada só seria possível após sua confirmação por sentença e desde que inexistente recurso com efeito suspensivo.
O vigente Código de Processo Civil em seu artigo 537, § 3°, no entanto, diferentemente da ótica trazida pelo Código anterior, expressamente autorizou a imediata execução da multa, conquanto o levantamento do depósito só será realizado após o trânsito em julgado favorável à parte: “a decisão que fixa multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte”.
Assim sendo, revogados os dispositivos (artigos 461, § 4º, 475- N, I, e 475-O, todos do CPC/1973) sob os quais assentado o precedente repetitivo, em homenagem ao princípio do tempo rege o ato, entendo ser, nada obstante à atual falta do iminente cancelamento do repetitivo, imediatamente aplicável a nova norma, pois que o legislador visou justamente suprimir o vácuo legislativo, esclarecendo qual o momento para se instaurar a execução provisória.
Sobre o direito intertemporal, muito bem pontua Humberto Theodoro Júnior[2]: “se a lei nova opera em caráter interpretativo, para afastar dúvidas ou aplicações incorretas do direito preexistente, sua incidência deve ser imediata sobre os processos em curso”.
Embora o Superior Tribunal de Justiça, dessa feita, ainda não tenha se manifestado sobre o tema, os tribunais pátrios vêm autorizando a execução provisória da decisão que fixou as astreintes antes de sua confirmação em sentença, entendendo pela inaplicabilidade do Resp 1.200.856/RS.
Cito, a título exemplificativo, alguns julgados: TJGO, Apelação (CPC) 5548597-59.2019.8.09.0002, Rel. Des(a). GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO, 5ª Câmara Cível, julgado em 10/07/2020, DJe de 10/07/2020; TJGO, Agravo de Instrumento (CPC) 5214678-10.2016.8.09.0051, Rel. LEOBINO VALENTE CHAVES, 3ª Câmara Cível, julgado em 10/11/2017, DJe de 10/11/2017; Apelação Cível nº 70073816670, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 31/08/2017; TJPR – 11ª C.Cível – AI – 1621994-0 – Curitiba – Rel.: Anderson Ricardo Fogaça – Unânime – J. 16.08.2017; e TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 164359-82.2016.8.09.0000, Rel. DES. NEY TELES DE PAULA, 2A CAMARA CIVEL, julgado em 16/08/2016, DJe 2097 de 25/08/2016.
A tendência é, portanto, que os tribunais pátrios e, em breve, o Superior Tribunal de Justiça, assim que provocado, apliquem imediatamente o disposto no artigo 537, § 3°, do novo CPC, admitindo o cumprimento provisório da decisão que fixou as astreintes, antes de sua confirmação em sentença, o que, aos meus olhos, atende à vontade do legislador.
*Matheus Dias Maciel de Almeida Lima é advogado civilista e processualista civil, associado ao escritório GMPR Advogados.
[2] Humberto Theodoro Júnior, O direito intertemporal e o novo Código de Processo Civil (com particular referência ao Processo de Conhecimento), EJEF, pág. 23.
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