A Reforma Tributária foi, enfim, promulgada. Após mais de 30 anos de discussão, convencionou-se, no Congresso Nacional, que o melhor modelo de tributação sobre o consumo para o Brasil é o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Com a mudança, os atuais tributos indiretos (ICMS, ISS, PIS, COFIN e IPI) serão substituídos pelo IVA Dual, representado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Além desses, será instituído o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre os produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
A complexidade e desigualdade do sistema tributário atual assustam; só não mais que a incerteza acerca da implementação desse novo regramento tributário. Isso porque emergem do texto da Reforma Tributária preocupações que merecem atenção nos próximos anos.
O primeiro ponto de preocupação, e talvez o mais importante, diz respeito ao possível aumento da carga tributária. Em que pese os parcos esforços para se estabelecer um teto para manutenção da carga tributária atual, a metodologia escolhida foi infeliz.
Nos termos da Emenda Constitucional n. 132/2023, a carga tributária será monitorada a partir da proporção da arrecadação em relação com o PIB. Essa visão, todavia, é bastante ampla e exclui as implicações para cada setor, de modo que pode gerará distorções entre setores, como se espera acontecer com o setor industrial, que sofrerá reduções significativas, e o setor de serviços, que sofrerá um aumento vertiginoso.
Outro ponto de preocupação é o período de transição. O novo sistema tem previsão para ser totalmente implementado em 7 anos contados de 2026, prazo no qual os novos tributos deverão ser instituídos e cobrados de forma gradual em conjunto com os tributos atuais.
O cumprimento desses prazos é uma preocupação, uma vez que a simples promulgação da Emenda à Constituição não é suficiente para fazer valer o novo sistema tributário. Serão necessárias Leis Complementares para regulamentar a matéria, Leis Ordinárias para instituir os novos tributos e prever os elementos da regra-matriz de incidência tributária, os Decretos e as Portarias das Receitas Federal, Estadual e Municipal para regulamentar a apuração e cobrança dos tributos na prática, dentre outros instrumentos normativos.
Além disso, deverá ser criado o Comitê Gestor do IBS, anteriormente chamado Conselho Federativo, e nomeados os seus membros, bem como deverão ser estabelecidas as suas regras, tais como regimento interno etc.
Em 2026, a partir de quando o IBS e a CBS serão exigíveis, essas normativas precisarão estar estabelecidas para que os novos tributos possam ser apurados, calculados e recolhidos pelas empresas.
Em suma, há muito o que se fazer em pouco tempo, praticamente 2 anos, o que aponta para o fato de que a implementação e regulamentação da reforma tributária podem ser tão açodadas quanto a votação da Proposta de Emenda à Constituição respectiva no Congresso Nacional, desconsiderando-se o efetivo debate da matéria e a participação da população e das empresas no processo legislativo.
A observância fiel do legislador infraconstitucional ao que foi estabelecido na Reforma Tributária também causa inquietações. A Emenda à Constituição estabelece que o sistema tributário deve “observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e do equilíbrio e da defesa do meio ambiente”. Tratam-se de conceitos tão vagos que podem ser facilmente subvertidos no processo de regulamentação da matéria.
Sob o ponto de vista da simplicidade, por exemplo, verifica-se que unificação dos tributos não representa, por si só, simplificação do sistema tributário. Vale lembrar, nesse sentido, que, inicialmente, o IVA seria único, mas ao longo se tornou um IVA dual.
Além disso, temos como exemplo o ICMS, que, apesar de ser apenas um único tributo, possui várias sistemáticas de apuração (DIFAL, ST para frente, ST para trás, DIFAL-ST, antecipação, monofásico etc.), cada uma com a complexidade que lhe é inerente.
A observância fiel dos princípios estabelecidos na Emenda Constitucional da Reforma Tributária também é essencial para garantir a segurança jurídica e a prevenção dos litígios, que foram motes importantes do novo modelo.
O Imposto Seletivo também guarda preocupações próprias. Primeiramente, há um mistério com relação ao que pode ser considerado “prejudicial à saúde e ao meio ambiente”.
Nesse sentido, lembra-se acerca da tributação sobre a energia elétrica e os combustíveis, que eram considerados como supérfluos pelos Estados para fins de incidência do ICMS. Somente em 2021 é que o STF, a partir do julgamento do RE 714.139, reconheceu que esses produtos, que são tão importantes para os seres humanos, seriam considerados essenciais e deveriam sofrer uma tributação menor que os demais produtos em observância ao princípio da seletividade condicionada à essencialidade.
Diante desse contexto, vê-se que não é improvável que o IS incida sobre produtos que não sejam essencialmente prejudiciais à saúde e ao meio ambiente com o objetivo de aumentar a arrecadação, especialmente quando se considera a sanha arrecadatória experimentada nos últimos meses no Brasil.
Por fim, possíveis violações ao princípio da não cumulatividade também geram insegurança nos contribuintes. O primeiro exemplo é a mudança repentina no §17 do art. 195 da CF/88 realizada na Câmara dos Deputados que, de forma indireta, inclui a CBS na base de cálculo do ICMS e do ISS no período da transição. Outro exemplo diz respeito à inclusão do IS na base de cálculo do ICMS, do ISS, da CBS e do ISS, que, assim como o primeiro exemplo, gerará aumento na carga tributária e acarretará cobrança de imposto sobre imposto.
Não se olvida que a Reforma Tributária trouxe importantes avanços para a mudança do sistema tributário atual, dos quais se destacam: simplificação, não cumulatividade, cashback, cálculo por fora, uniformização das regras, dentre outros. A atual Reforma Tributária, no entanto, está longe de ser o melhor modelo possível para o Brasil. Mas é que se tem.
Nesse sentido, deve-se buscar superar os desafios e preocupações expostas a fim de se evitar distorções, desigualdades e injustiças a partir do texto de uma reforma que prometia justamente o contrário.
Weverton Ayres Fernandes da Silva. Advogado tributarista no GMPR Advogados; cursa MBA em Gestão Tributária pela USP/ESALQ; Diretor-secretário do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD); membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO.
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