Foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n. 14.811 que, entre outras previsões, acrescentou mais dois tipos penais ao Código Penal. Foram criados os crimes de “intimidação sistemática” (bullying) e “intimidação sistemática virtual” (cyberbullying).
A nova legislação estabeleceu que configurará intimidação sistemática (bullying) a seguinte conduta:
Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais.
Já intimidação sistemática virtual (cyberbullying) ocorrerá “se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real”.
A definição de intimidação sistemática (bullying) já estava prevista na Lei n. 13.185/15.
A referida legislação instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática e, entre outros deveres, impôs aos estabelecimentos de ensino, aos clubes e às agremiações recreativas a obrigação de assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (art. 5º).
Não existia, contudo, punição específica para os autores das condutas de bullying e cyberbullying.
É inquestionável, portanto, a relevância da nova legislação, por preencher uma lacuna de punibilidade do nosso ordenamento jurídico.
Nota-se que o crime de intimidação sistemática (bullying) é punido apenas com a pena de multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
A previsão no sentido de que a multa será aplicada se a conduta não constituir crime mais grave, resultou em um tipo penal subsidiário. Isto significa que se a conduta envolver ofensa a outro bem jurídico (à honra ou à integridade corporal, por exemplo), será aplicada a pena mais grave prevista para esses delitos.
Criou-se, ainda, a figura denominada de “intimidação sistemática virtual” (cyberbullying), com a fixação da pena superior, de reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
A novo tipo penal é oportuno e necessário, tendo em vista que a intimidação sistemática possui maior reprovabilidade da conduta, quando realizada virtualmente.
As condutas praticadas nos meios virtuais, não só possuem maior potencial de lesão às vítimas, como também possibilitam certo grau de anonimato, com maior dificuldade para a identificação do autor do delito.
A pena prevista pelo legislador para as condutas que configurem o crime de “intimidação sistemática virtual” (cyberbullying) pode ser considerada elevada. É muito superior, por exemplo, a pena que foi estabelecida para o crime de perseguição (stalking) do artigo 147-A do Código Penal.
Ademais, a pena em abstrato do crime de “intimidação sistemática virtual” (cyberbullying) obsta a aplicação de quaisquer dos institutos previstos na Lei n. 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), notadamente a transação penal e a suspensão condicional do processo.
Além de representar um risco em si mesmo, o bullying e o cyberbullying são constituídos como fatores de risco de violência e, em alguns casos, fatores de risco para a ocorrência de crimes mais graves.
Desse modo, as novas tipificações legais, sem a utilização de medidas cautelares, podem não ser capazes de conter as consequências do bullying e do cyberbullying.
Em observância aos princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade, é possível a imposição de medidas cautelares previstas na legislação como mecanismo apto a cessar a intimidação sistemática.
As medidas cautelares diversas da prisão foram introduzidas no Código de Processo Penal como solução intermediária entre a liberdade e a prisão processual, sendo aplicáveis independentemente do gênero do agente ou da vítima, bem como de contexto específico de realização de determinado tipo pelo agente.
Pode-se mencionar, a título exemplificativo, como medidas relevantes para se resguardar a integridade física e psicológica das vítimas do bullying e do cyberbullying aquelas previstas nos incisos II e III do artigo 319 do Código de Processo Penal:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
A probabilidade de ocorrer evento mais gravoso legitima a imposição de restrições processuais penais, justamente como forma de fazer cessar a prática delitiva e de proteger os bens jurídico-penais tutelados pelos novos tipos penais.
Ressalta-se, por fim, que não está descartada a possibilidade de se decretar a prisão do agente que praticar o crime de bullying ou de cyberbullying. O descumprimento injustificado das obrigações impostas por força de cautelares poderá resultar na decretação de prisão preventiva, consoante autorizado pelo §4º do artigo 282 do Código de Processo Penal.
*Renato Lopes Rocha é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Pós-graduado em Direito Administrativo pelo Instituto Goiano de Direito Administrativo (IDAG) e Faculdade de Ensino Superior do Centro do Paraná. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás (ESMEG) e possui extensão universitária em Direito para a Saúde pela Universidade de São Paulo (USP). Advogado do GMPR Advogados. Contato: renato.lopes@gmpr.com.br
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